Para Ronaldo Trecenti, agrônomo e
consultor da Abeas (Associação Brasileira de Educação Agricola Superior),
carecemos de estatísticas confiáveis sobre os acidentes no campo. Seja por
negligencia dos hospitais que não repassam informações para o Ministério do
Trabalho, ou até por omissão de empresários que não fazem o registro.
E há, também, os casos de óbitos
não são associados a ideia de acidente de trabalho, como o do trabalhador que
se expõem regularmente a substâncias tóxicas sem o uso do equipamento de
proteção individual (EPI), e acaba por desenvolver uma doença fatal. Assim, as
estatísticas de acidente de trabalho no meio rural podem ser subestimadas.
A Organização Internacional do
Trabalho (OIT) coloca o Brasil como um dos países onde mais acontecem acidentes
fatais do trabalhador rural no mundo. Mas, apesar da importância das
estatísticas, estar em ultimo ou primeiro lugar do ranking, não modifica a
evidencia de que toda estatística tem vários rostos. E a saúde e segurança do trabalhador
rural, deve ser pautado por parâmetros mais seguros de trabalho.
AGROTÓXICOS
“Projeções da Organização Mundial
de Saúde, OMS, dão conta de que 1% dos trabalhadores expostos a produtos
fitossanitários em geral sofrem algum tipo de intoxicação acidental. Em cada 50
casos desses, um é fatal. De acordo com o IBGE, na década de 90, o Brasil tinha
15 milhões de trabalhadores na agricultura. Supondo que todos trabalhassem com
defensivos e que 1% deles se acidentasse,
seriam 150 mil casos de intoxicação. Como um em cada 50 é fatal, o
número de óbitos poderia chegar a três mil”, estima Trecenti.
A intoxicação pelo uso de
agrotóxicos, via de regra, é causada pelo desconhecimento ou inobservância dos
procedimentos de segurança, que, na verdade, fazem parte das obrigações legais
do produtor rural. Dentre esses procedimentos estão:
- Transporte
correto dos produtos;
- A prescrição
do receituário agronômico, e;
- O uso correto
do EPI, para quem prepara e quem aplica.
O EPI básico é: boné com proteção nos ombros, máscaras, luvas,
botas, óculos e vestimentas apropriadas. Nas pulverizações via trator, o
tratorista também deve usar equipamentos que o protejam das substâncias
tóxicas.
O fornecimento de EPI ao trabalhador rural é obrigatório
segundo os dispositivos da Norma Regulamentadora 31 - NR 31 do Ministério do Trabalho e
Emprego. Todo EPI deve ser entregue ao funcionário e registrado o número do Certificado de
Aprovação - CA do INMETRO. Conheça mais sobre a NR 31.
Além da desinformação, pequenos
descuidos ou desatenções podem causar acidentes. Medidas simples são hábitos
eficazes na prevenção de acidentes, como:
- a regulagem
correta do equipamento de aplicação;
- a pulverização
somente nas horas mais frescas do dia e sempre a favor do vento;
- não fumar, não
beber ou durante a aplicação.
O grau de intoxicação leva em
conta a toxicidade do produto e o tempo de exposição ao mesmo. Nesse quesito
Trecenti alerta para os problemas do efeito cumulativo. Contatos pequenos e
rápidos, porém constantes, fazem com que as substâncias sejam depositadas no
organismo. Com o passar dos anos, surge uma doença que pode até matar, mas que
reduz a capacidade de trabalho ou pode provocar a aposentadoria precoce por
invalidez.
Problemas de funcionamento do
intestino, fígado, visão, impotência, infertilidade, doenças respiratória,
cardiovasculares e câncer, entre outros, estão no rol dos males causados pelo
efeito cumulativo de substâncias tóxicas no organismo humano (veja figura
abaixo).
Nós rótulos das embalagens dos
agrotóxicos há informações sobre o grau de toxicidade do produto.
- Faixa
vermelha: é um produto extremamente tóxico.
- Faixa amarela:
é altamente tóxico.
- Faixa azul: é
medianamente tóxico.
- Faixa verde: é
um produto pouco tóxico.
No entanto, Trecenti enfatiza que
o produtor não pode esquecer que todos oferecem risco no contato, seja por
inalação oral, nasal ou pelas mucosas, mesmo se tratando de produtos faixa azul
ou verde.
RECEITUÁRIOS
A aquisição de qualquer
agrotóxico só pode ser feita mediante a apresentação da receita agronômica ao
comerciante, prescrita por um engenheiro agrônomo ou florestal ou técnico
agrícola. O receituário agronômico funciona como uma receita médica, dizendo o
produto, a dose e como deve ser usado. A receita deve conter orientações
relacionadas à quantidade, época de aplicação, cultura indicada, período de
carência, tríplice lavagem, proteção ao trabalhador e ao meio ambiente.
A legislação sobre a
comercialização e uso de agrotóxicos é abrangente e rigorosa. Prevê multas e até
prisão para seus infratores. O receituário agronômico deve ser obrigatório para
minimizar os altos riscos associados ao produto, mas na prática a legislação
não é cumprida como deveria.
As consequências da burla a lei
têm, porém, implicações que não se restringem meramente ao usuário. Os efeitos
são de ordem social que se tornam mais evidentes sob a forma de dano à saúde
humana, animal e ao meio ambiente.
A falta de respeito a praticas
elementares, como o período de carência para a aplicação, o exagero na
quantidade aplicada ou na frequência da pulverizações, pode ter efeitos
desastrosos. A presença de elementos químicos nos alimentos acima dos padrões
aceitáveis ao consumo humano e a contaminação ambiental, são exemplos desses
efeitos.
O profissional de agronomia tem
responsabilidade direta sobre esse quesito quando prescreve um receituário. De
acordo com o consultor da Abeas, o responsável técnico pelo acompanhamento da
lavoura deve orientar o uso adequado, primar pela utilização e valorizar o
receituário. “Os agrotóxicos podem prejudicar a vida de milhares de pessoas,
mesmo assim, ainda há pouca orientação a esses profissionais sobre o assunto,
bem como a tudo o que tange a segurança do trabalho no meio rural, de um modo
geral”, avalia Trecenti.